“Câmara derrota Dilma e aprova fragilização de regras ambientais
O plenário da Câmara dos Deputados impôs ontem uma nova derrota ao governo ao aprovar, por 274 votos a 184, o texto do deputado Paulo Piau (PMDB-MG) que reforma o Código Florestal Brasileiro.
O projeto atende à bancada ruralista, mas a discussão ainda não se encerrou.
Já esperando a derrota, o governo havia mobilizado senadores aliados para que apresentem novo projeto para disciplinar o tema.
Isso será necessário porque a expectativa é que a presidente Dilma Rousseff vete boa parte do texto da Câmara, em particular os dispositivos que cedem demais ao agronegócio e reduzem a proteção às águas brasileiras.”
Então a presidente perdeu na Câmara. Perdeu no sentido de a maioria (274 votos) votou a favor de um projeto de lei que vai contra a sua vontade. Há várias coisas que ela ainda pode fazer, mas vamos focar no veto para compreender o que acontece a partir de agora e por que o veto pode não funcionar (o que explica a movimentação do governo para apresentar um novo projeto, como explicado na matéria).
Depois que um projeto de lei ordinária é aprovado pelas duas casas do Legislativo, ele é enviado para a sanção presidencial.
No Brasil (ao contrário de outros países, como o Reino Unido, onde espera-se que a rainha sempre aceite o projeto), o chefe do Executivo (presidente, no caso do governo federal) não é obrigado a sancionar o projeto aprovado pelo Legislativo. Na verdade, ele tem três opções.
A primeira é sancionar o projeto. A segunda é veta-lo porque ele é inconstitucional (vai contra as normas da Constituição, que é a norma mais importante que temos no país), ou porque ele vai contra o interesse público (um critério subjetivo, mas que ninguém está melhor posicionado para decidir do que a presidente, que foi eleita pela maioria dos eleitores do país para governa-lo em nome deles). A terceira opção é não fazer nada. Isso mesmo. Colocar o projeto na gaveta. Se ela não fizer nada em 15 dias, o projeto é considerado sancionado. É o famoso ‘quem cala, consente’. Ela tinha o direito de vetar. Se não vetou, é porque ela não é contra o projeto e, portanto, ele deve ser considerado sancionado. É o que os juristas chamam de sanção tácita.
Bem, se ele for sancionado (tácita ou expressamente), ele é promulgado e publicado no Diário Oficial para dar ciência à população de que há uma nova lei a ser respeitada. Mas se ele for vetado, esse não é o fim da história. Depois do veto, ele precisa voltar ao Congresso para que o Congresso analise e tenha a oportunidade de derrubar o veto da presidente, ou seja, fazer valer a vontade dos legisladores.
Ora, se a presidente sabe que o projeto já foi aprovado anteriormente no Legislativo, por que ela se dá ao trabalho de veta-lo? Afinal, o Legislativo pode derrubar o veto, certo?
Sim, mas as regras para que se derrube o veto são diferentes.
Primeiro, porque em vez da maioria simples necessária para aprovar o projeto de lei ordinária, é necessário a maioria absoluta. Maioria simples são todos aqueles que apareceram para votar. No caso da matéria acima, havia 458 deputados presentes em plenário. Ou seja, 55 deputados (são 513, no total), faltaram ao trabalho. A maioria simples é calculada em cima dos que apareceram para trabalhar: 230. Já a maioria absoluta é calculada em cima do total de votos possíveis se todos os deputados tivessem comparecido: 257.
A segunda diferença é que é o Congresso - e não suas duas casas (Câmara e Senado) - que analisa o veto. Isso significa que as duas casas agem em conjunto e não de forma independentes. Cada cabeça um voto. E a votação é secreta.
E quando é que ocorre a votação? O Congresso tem 30 dias para votar o veto. A Constituição diz que esse prazo é contado do recebimento do veto pelo Congresso, mas o Regimento Interno do Congresso diz que esses 30 dias são contados a partir da sessão convocada pelo presidente do Senado para que as casas analisem a matéria, e não do recebimento físico da mensagem de veto pelo Congresso. Pode parecer um detalhe, mas essa diferença pode expandir bastante o tempo que o Congresso tem para derrubar o veto.
Antes de tentar derrubar o veto, contudo, ele passa por uma comissão mista, composta de 3 senadores e 3 deputados (cada um indicado pelos presidentes das respectivas casas), que têm 20 dias para apresentar um parecer sobre o veto.
Agora, sim, haverá a votação. Que acontece de forma diferente porque, como ela é em conjunto, o veto será votado pela totalidade das duas casas como se fossem apenas uma casa. 513 deputados mais 81 senados dá um total de 594. A maioria absoluta de 594 são 298 votos. É esse o número necessário para derrubar o veto.
No caso do projeto acima, ele foi aprovado por 274 votos na Câmara e 59 no Senado, o que dá um total de 333 votos. Ou seja, se quem votou a favor na aprovação original aparecer para votar pela derrubada do veto (e continuar votando da mesma forma), os eventuais vetos da presidente poderão ser facilmente derrubados. É por isso que o governo está pensando em mandar um novo projeto ao Legislativo.